sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Sobre De Profundis - As Cartas do Abismo



Estava relembrando hoje de minha história com o RPG, os sistemas, a época de cada um deles, as mesas de jogo, as histórias, etc. Permiti-me adentrar na cortina de fumaça e navegar...

Dentre todos os sistemas que já joguei /narrei ou cheguei a conhecer De Profundis foi e é o que mais me atraiu. Talvez pela peculiariedade de não haver a divisão clara entre narrador e jogadores, sendo então todos co-narradores do drama, além do fato de não existir fichas de personagem - não dentro ainda do esquema saudável de jogo (depois de um tempo, tudo torna-se tão próximo da realidade que os limites entre aquele que cria e aquele que é criado fica muito tênues), faz com que este jogo se apresente como excepcionalmente dramático e muitas vezes não atrativo a grande maioria dos jogadores. Ele exige um pouco mais de dedicação, de disponibilidade e de exercício.

Por permitir o jogo solo - é o único RPG que conheço que permite jogar desta forma, você com você mesmo, e embora o JOGO neste sentido se transforme mais num exercício literário se o jogador estiver de fato atento ao tripé do jogo, ele se fará presente de forma extraordinária e então o exercício some, ficando apenas o imaginário vivenciado de forma crua, densa até e porque não dizer, perturbadora? De Profundis de fato é um jogo enlouquecedor. Não o recomendo para aqueles que possuem facilidade em não retornar para a realidade, mas o recomendo para todos que necessitam de “linhas de horizonte”.

Falemos do jogo!

Este jogo foi concebido por Michal Oracz e foi publicado originalmente na Polônia, possui sua ambientação na obra de Lovecraft e foi traduzido livremente para o português pelo Grupo de Tradução Sectários de Cthulhu.

O jogo possui um tripé formidável – As Cartas do Abismo, A Fantasmagoria e A Capela. Seu módulo básico é simples e prático, escrito na forma de cartas, ou seja, é como se você ao ler, adentrasse no JOGO.

As Cartas do Abismo são as próprias cartas que se envia e se recebe, a Fantasmagoria é o próprio drama e clima do jogo, horror e investigação a partir da literatura de H.P.Lovecraft, e a Capela se constitui na intimidade que você tem que ter com o próprio personagem, vivenciando realmente seus dramas, sentimentos, potencialidades e recursos através do psicodrama.

Lembro dos meus bons momentos na Capela, confesso que foram os momentos mais intensos para meu personagem. Estar nele, vestido e sensivelmente dramático, registrando no diário seus devaneios na praia de seus sonhos - dele ou meus? -  em suas noites insones que me trouxeram de fato problemas para dormir, para além dos que eu já tinha. Eu sempre queria mais, e mais, e mais, assim como o Dr. North necessitava de mais, mais, e mais adentrar pela cortina de fumaça e seguir em sua busca...

Estamos a montar uma nova Sociedade, buscando novos membros para iniciar um novo JOGO...

Deixo aqui um pequeno fragmento do diário de meu antigo personagem, o Dr.North, com quem joguei na antiga Sociedade:

“Vigésima primeira hora do décimo - quinto dia de Outubro, 1920.

Paz Foragida

Numa pequena cápsula, além do tempo contado
Houve um lugar: um templo desabitado de gente
Existe um universo a parte – réplica de um sonho criado
Produto da fé, da carne e do desmaio da mente

Havia vida existente, sonhos e polifonia de flores
Um culto perdido, para deuses foragidos
O grande mar beijava a praia, causava-lhe dores
Libadas em altares de pedras feitos de amores perdidos

Dançavam os pesadelos despidos de vaidade
Eram como espíritos, livres de seus tormentos
Adormecendo os homens, beijando-lhes a face

Sopravam na alma seu hálito, sem nenhum comedimento
Corriam pela praia seus medos, soprando impiedade
Deitavam todos nas pedras, fazendo cessar os pensamentos

Vi a praia de meus devaneios na cortina de fumaça. Havia um templo esquecido, como se lembrado ou dito apenas de boca a ouvido. Trazia lembranças audíveis, uma voz infantil nunca ouvida, vinha pelo mar, junto com as ondas. Enquanto eu dançava com as sombras ao redor das pedras, vislumbrava o ar que em mim entrava, perdendo-me pelo sussurro que me chegava antes do desmaio do corpo, da quietude mórbida que me habitava o fim da jornada.”

.:WilNorte...

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